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A Irrelevância da Evolução

Por G. K. Chesterton

Tradução de Wendy A. Carvalho

Título original The Unimportance of Evolution

Públicado: América, 15 de Março, 1930

A Mente Moderna é assim chamada para diferenciar-se da Mente. Sem dúvida, este rótulo e esta ênfase são desnecessários. Se diz pouco, ou quase nada, sobre o que é concebido como Modernismo pra que o estudante mais desleixado possa confundi-lo no momento de atividade intelectual e no rotineiro uso da razão; uma coisa curiosa e tosca é que talvez seu único elemento redentor seja o fato de que, sendo fundado nos humores e nas emoções, é cheio de surpresas.

Por exemplo: o Bispo Barnes, numa incrível explosão, pediu ao Papa que fizesse uma declaração infalível a respeito da verdade da Evolução. A respeito de uns cem mil Modernistas que têm uivado aos nossos ouvidos, por vinte anos, que o Papa e a Igreja destruíram cada descoberta científica, cada tipo ou moda de Evolução; que enterraram a Evolução sob dogmas monumentais tão arcaicos quanto a Idade da Pedra, e então, um daqueles Modernistas de repente traz à tona o argumento de que este não é o caso e apressadamente propõe que o Papa deveria voltar sua total atenção ao novo tópico de Evolução.

Ele imagina aparentemente que a possessão da infalibilidade Papal é um tipo de piada amigável ou consolo popular que pode ser emprestado a qualquer um, como se faz com um saca-rolhas ou um abridor de latas, sempre que alguém sente um momentâneo impulso mental sobre qualquer assunto.

Se o Papa tivesse de usar seu dom especial e sobrenatural a fim de responder qualquer questão cuja resposta interessasse, eu sugeriria um oráculo, o que possivelmente teria um efeito mais prático na vida humana, respondendo uma grande quantidade de questões exteriores. Como, por exemplo, quem vai vencer a Derby?[1] Ou se viajar seria permitido pelo clima nesta primavera; ou se a Inglaterra é realmente sábia por se colocar à disposição da América; ou se a matemática de Einstein está realmente correta; ou se será realmente descoberta a cura para o câncer; ou quais são os nomes dos quatro ou cinco assassinos que livremente perambulam por toda a Inglaterra.

Se devemos seguir o exemplo dos Modernistas independentes, e termos o Papa como uma pessoa feita para responder os mistérios sobre todos os tipos de assuntos, nós estaremos provavelmente dando fim aos assuntos e mistérios. Basta admitirmos, a fim de satisfazer a exigência Modernista, a crença muito mais genérica e esmagadora na infalibilidade do Papa que hoje nós já professamos. E nós temos, sim, um jeito de professar o que sempre professamos e professaremos; ao passo que o Modernista pode ir a quaisquer níveis em seu novo apelo, assim como ele pode ir a quaisquer níveis em sua obsoleta recusa deste. Daqui a cem anos, até onde eu sei, pode ser que o Modernista alcance sua meta de acreditar que o Papa é infalível pra dizer se amanha vai chover, ou se há azeite demais na salada. Há, no entanto, uma simples resposta para a questão do Bispo, uma vez que a questão tem um significado neste sentido: o Papa não se pronuncia sobre a questão da Evolução pelo simples motivo dela não ser suficientemente importante. Pessoas como o Dr. Barnes ainda supõem que esta é extremamente importante; mas isto é um pressuposto provinciano.

Claro que ela é imensamente interessante àqueles cujo negócio é estar interessado nela; assim como a menor estrela na Nebulosa de Andrômeda é intensamente interessante para um astrônomo; assim como a mínima sombra de variedade numa lentilha-d’água pode ser de grande importância para um botânico. Ciência desse tipo, realmente científica, a Igreja aprova completamente. Muitas vezes – até generosamente – a apóia; em outras vezes, sabiamente, a deixa em paz. Mas isto não é o essencial que o guardião da fé e da moral deveria pronunciar sobre a lentilha-d’água.

Pode parecer piada dizer-se que a Evolução, como tal, não é mais séria do que o ganhador da Derby. Mas uma corrida de cavalos faz parte do mesmo mundo moral que a criação de cavalos. E a criação de cavalos é um exemplo perfeito do estudo realmente imparcial e científico da Evolução.

Todo o argumento questiona se a vida animal, por si só, aconteceu através de um processo de adaptação ou seleção, assim como aquela criação de cavalos; e se é possível existir criação de cavalos sem um cavalo criador. Na nossa experiência humana, sabemos que isto é feito por uma vontade direta; e pareceria mais racional que onde isto não poderia ser feito pela vontade direta do homem, pudesse ser feito por uma diretiva vontade Divina. Darwin e outros sustentaram, mais ou menos duvidosamente, que isto pode ser feito por um tipo de coincidência prolongada; uma seção de acidentes.

A teoria de Darwin de como isto pode ter ocorrido foi grandemente menosprezada pelos últimos cientistas; e realmente só é ainda aceita por pessoas Vitorianas respeitáveis como o Bispo Barnes. Mas em todo caso, isto nunca foi tão longe a ponto de tocar nos problemas primários; e Darwin dificilmente fingiu ter chegado lá.

A verdade é que os inimigos do Cristianismo, homens que começaram a militar, com certo preconceito, contra a religião, muito antes de terem estudado qualquer ciência, tentaram exagerar estas teorias, ou melhor, hipóteses, magricelas e filiformes, dos biólogos do século XIX, e fizeram-nas interferir, de alguma forma, na filosofia Cristã; distorcendo todo tipo de morais filosóficas dela, as quais as sugestões biológicas não suportaram, mesmo que fossem verdadeiras.

Por exemplo, a frase-jargão comum do cético parcialmente educado, “A Queda[2] nunca aconteceu; pelo contrário, ocorreu certa Ascensão universal,” não reside em qualquer biologia anti-Cristã; mas é uma tentativa de inventar uma filosofia anti-Cristã. Qualquer biólogo diria isto a você, na medida em que estivesse interessado: que pode haver um número indeterminado de Quedas no vasto e complexo sistema de variação cósmica.

Existem princípios morais, como a Queda, aos quais seria anti-Cristão negar; mas a Evolução, como Evolução, não os nega. Ela simplesmente não liga pra eles; sendo interessada com um suposto método particular de transformação materialista; o qual exige estudo e atenção concentrados; como a criação de cavalos.

Agora o Papado pronunciou-se, um sem número de vezes, sobre aquelas duas ou três fundações morais da natureza do homem, as quais são essenciais à filosofia Cristã da vida. Que o homem tem uma dignidade diferente daquela do resto da natureza, e é adornado com a imagem de Deus; que ele uma vez possuiu uma dignidade ainda maior por ela ser mais próxima do Divino e perdeu-a ao abusar do livre-arbítrio; que sua natureza foi, uma vez, mais exaltada pela Encarnação, e assim por diante: essas verdades teológicas são, de fato, extremamente importantes; e quaisquer teorias científicas que à beça contradissessem-nas também seriam, neste grau, importantes. Mas praticamente não existem teorias que as contradizem; e, certamente, não há muitos fatos científicos ou descobrimentos últimos que o fazem.

Além da questão de contradizer estas verdades, as quais têm sido previstas repetidamente, digo que a Evolução, no verdadeiro sentido de transformismo ou adaptação animal, é simplesmente irrelevante o bastante para ser passível de previsão: é simplesmente um problema do materialismo ou de curiosidade técnica, e mais uma centena de problemas. O Papa não existe pra pronunciar-se sobre como o camelo ganhou sua corcova ou como o elefante ganhou sua tromba, como no Just-So Stories; é, em comparação com as coisas sobre as quais ele se dedica, um jogo perfeitamente saudável e, até mesmo, infantil.

Reitero que o ponto é esse: foram os Materialistas que tentaram embaraçar suas imperfeitas descobertas materialistas nos argumentos contra a religião. Mas as teorias embaraçadas quebraram em suas próprias mãos; e deixaram uma desordem, que quase todo cientista realmente modernista admite ser por demais, desconcertante.

A falha na assimilação deste fato se deve à ignorância histórica; e até mesmo à mera ignorância cronológica. Estes Materialistas sempre estiveram tentando supor, através de uns cem logros sugestivos, que o homem só começou a atacar a religião quando ele começou a estudar ciência. Eles deduziram que todo o mundo venerava a Bíblia, até que ela foi destruída numa colisão com “A Origem das Espécies.”

Isto é tão rasamente o reverso da verdade, que a resposta a isso é o mero fato de Sexta vir depois de Quinta ou Outubro depois de Setembro. É a simples questão do fato. Eles podem muito bem dizer que a tirania de Napoleão foi a causa da Revolução Francesa. Podem muito bem dizer que a espoliação dos mosteiros foi o estopim das Guerras das Rosas.

É simplesmente um fato evidente que o cético moderno que ataca o Cristianismo começou com isso um século antes de voltar-se a qualquer biologia específica ou a quaisquer modernas ciências materialistas. Voltaire e seus contemporâneos galhofaram o sistema Católico exatamente como Lucrécio ou Juliano o fizeram, em uma base geral da filosofia cética. Mas Voltaire quase ridicularizou mais que os primórdios da ciência materialista moderna, e caiu na gargalhada por causa da espinha fóssil de um peixe, encontrada nas montanhas.

Todo esse ataque racionalista sobre o Cristianismo estava em pleno auge, e acontecia há bastante tempo, antes que fosse sugerido que a espinha do peixe pudesse ser usada como uma arma contra a Cruz. A Europa estava cheia de livre-pensadores, e organizada em diversas sociedades, especialmente sociedades secretas, para atacar a Igreja, antes que qualquer naturalista Inglês começasse a desenvolver argumentos evolucionários contra os Erros de Moisés. A imperfeita hipótese da Evolução, a hipótese errada do Darwinismo, foi aproveitada pelos homens que tinham vivido toda a sua vida em guerras. Esses homens tentaram exagerar e deturpar as sugestões científicas, de modo a transformá-las em contradições dos grandes princípios de fé e moral dos quais falei. Mas, até agora, pouco deles foi exagerado e a maioria já faliu.

Nem neste caso é provável que o supremo guardião da fé e da moral estará muito mais interessado neles.

[1] Derby: assim eram chamadas, no século passado, as grandes corridas de cavalos.

[2] A Queda, é a doutrina baseada no episódio do pecado de Adão e Eva, com mais ênfase à punição divina.

Este post tem um comentário

  1. Nichollas Marques

    Não vejo nenhum problema com a evolução, muito pelo contrário. O darwinismo, como o próprio Darwin diz, é absolutamente contrário ao totalitarismo comunista. Os próprios comunistas baniram Darwin da URSS, sendo que a genética era algo proibido na URSS. Darwin demonstra a importância da competição para que haja evolução, algo que o comunismo rejeita. O comunismo é, e sempre será, lamarkista (inclusive com a grande farsa de Lysenko). A propriedade privada é darwinista!
    Desse modo, os anticomunistas são idiotas se não defenderem Darwin. Pois Darwin é a prova viva de que o Comunismo é algo falso. Inclusive, Darwin pessoalmente escreveu a Marx, chamando o comunismo de “ideia descabelada”. Prova de que Darwin rejeitava com ênfase o comunismo; e os comunistas também sempre odiaram Darwin e o perseguiam!

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