Em 1904, bem antes de sua conversão ao catolicismo, G.K. Chesterton conheceu um homem que iria mudar sua vida e influenciar definitivamente seu legado literário: o Padre John O’Connor. Esse sacerdote iria, mais tarde, abrir seus olhos para a fé católica e pacientemente guiar Chesterton em sua jornada para Roma.
Mas antes (e é isso que nos interessa aqui), Padre O’Connor foi a inspiração para a mais famosa personagem chestertoniana e um dos ícones da literatura detetivesca: Padre Brown, o pároco-detetive.
Uma inocente conversa entre amigos
Tudo começou com uma conversa entre amigos sobre um artigo que Chesterton escrevia “a respeito de sórdidos problemas sociais envolvendo vício e crime”. Durante a conversa, o padre sugeriu que as conclusões de Chesterton no artigo estavam equivocadas, e para provar seu ponto, revelou certos fatos sobre algumas práticas perversas de que tinha conhecimento. O que ele disse a Chesterton o abalou de tal maneira que o escritor chegou a escrever que “não imaginava que o mundo poderia suportar tais horrores”.
Os universitários arrogantes
No mesmo dia, mais tarde, Chesterton e Padre O’Connor se viram em uma animada discussão filosófica com alguns universitários de Cambridge. Os estudantes expressaram sincera admiração pela inteligência do sacerdote, mas ao mesmo tempo insinuaram que o sacerdócio de O’Connor favorecia uma visão de mundo inocente, desconectada do mundo real. Chesterton, recordando esse acontecimento anos mais tarde, diz que precisou se controlar para não cair na gargalhada, pois sabia que não havia ninguém naquela conversa que melhor conhecia a maldade do homem.
Após esses dois incidentes, como retrata em sua Autobiografia, a mente de Chesterton já fervia preparando aquele que seria seu grande personagem. Nascia a ideia de um padre-detetive. E a grandeza dele seria muito diferente da de um Sherlock Holmes e um Hercule Poirot (cuja autora, Agatha Christie, seria diretamente influenciada pelas histórias do Padre Brown): no lugar de um rigoroso racionalismo e frieza científica, duas virtudes. Duas virtudes de um diretor de almas.

As armas secretas do Padre Brown
A primeira delas: o Padre Brown seria capaz de entrar na mente dos criminosos investigados, como fazem os bons detetives. Mas ele teria algo mais – seria capaz de entrar no coração dos criminosos, onde vivem as paixões desordenadas e onde os pecados são concebidos.
Em segundo lugar, o Padre Brown seria o mais insuspeito dos homens. Nem os criminosos, nem mais ninguém, desconfiariam que por trás daquela batina surrada de pároco da aldeia haveria um estudioso da alma humana. Aos olhos do mundo, o pároco é tolo e ingênuo.
Em outras palavras, o segredo do Padre Brown é uma espada de dois gumes: a sabedoria em seu interior, e a inocência exterior. Esperto como as serpentes e simples como as pombas, seguindo o conselho evangélico. Estava pronto o último dos detetives, porém o maior deles.
A vida imita a arte
Anos mais tarde, em 1922, Padre O’Connor iria receber Chesterton na Igreja Católica. Mas bem antes disso, em A Inocência do Padre Brown, o pequeno pároco corria atrás da alma criminosa de Flambeau, mostrando-lhe um outro caminho e dando a ele um novo rumo, como seu braço direito. A vida imita a arte.