Por Pedro Erik Carneiro, PhD
-> Quem sou eu para discordar de um homem que eu mesmo considero ser um santo? Além de merecer a canonização, eu não conheço prosador mais brilhante. Esse homem é G.K. Chesterton e eu vou discordar um pouco dele neste artigo, e também de outro gênio, Hilaire Belloc (que não duvido que tenha qualidades para santificação).
Por outro lado, mostrarei muitas semelhanças entre nossos pensamentos e creio que nenhum dos dois me detestaria por discordar deles em alguma questão, porque debater era uma das coisas que mais amavam fazer. Ainda mais, se esse debate era regado a chops e cachimbos no pub The Eagle and the Child em Oxford, que eu tive a graça de conhecer. Assim vou me imaginar discordando de Chesterton e Belloc tomando uns drinks (ainda não aprendi a fumar cachimbo) no pub de Oxford para ser leve nas minhas considerações. Seria uma conversa entre amigos, para minha honra dos sonhos.
-> O tema da conversa é o Distributismo. Fico honrado em ter a possibilidade de apresentar crítica ao Distributismo dentro do website da Sociedade Chesterton Brasil, sinal que a Sociedade, assim como Chesterton, respeita seus amigos.
-> Entre os dois pensadores, foi Belloc que lançou a ideia do Distributismo, com o seu livro “The Servile State” de 1912. O livro foi convincente para Chesterton, que posteriormente lançou o livro Utopia of Usurers (que é uma coleção de artigos escritos de 1913 a 1915). Em seguida, tivemos “The Economics for Helen”, de Belloc, de 1924, “An Outline of Sanity”, de Chesterton, de 1926, e “An Essay on the Restoration of Property”, de Belloc, de 1936. Claro, que esses livros não nasceram do nada, foram influenciados especialmente pela encíclica Rerum Novarum de Leão XIII de 1891 e pelo debate político-econômico no Reino Unido da época.
-> Eu detalho todos esses livros e a encíclica no meu livro Ética Católica para Economia: Bíblia, Teólogos e Ciência Econômica (2019, Editora Appris). E ao fim do livro, eu lanço a ideia de uma doutrina filosófica-econômica que denomino Familiarismo.
-> Aqui vou contrapor a doutrina Distributista com minha proposta Familiarista.
-> Primeiro, alguns disclaimers. Em geral, quem mais discorda da doutrina Distributista são os chamados libertarianos (ou economistas da escola austríaca), aqueles que sonham em um “mercado” livre de amarras do Estado, supondo que isso traria riqueza e desenvolvimento para as pessoas e os países. Os libertarianos, mesmo os que são católicos, como Thomas Woods Jr., são bem agressivos contra o pensamento econômico Belloc-Chestertoniano.
-> De minha parte, compartilho do desprezo que Chesterton e Belloc tinham dessas ideais libertárias, que no fundo amarra a maioria, e liberta só os poderosos. Assim, minha crítica não tem fundamento no pensamento austríaco (Deus me livre!).
-> Socialistas, comunistas e afins costumam desprezar também o Distributismo, mas, em geral, eles não debatem o assunto e uma pequeníssima minoria sabe o que é Distributismo. Minha crítica ao Distributismo também não tem fonte no comunismo, que eu desprezo com toda a minha alma.
-> Até aqui o chop desceu tranquilo.
-> O fundamento básico do Distributismo é a defesa que todos (ou a imensa maioria) deve ter propriedade privada, pois assim serão mais livres para escolher ou não trabalhar para os outros e consequentemente os salários seriam mais elevados. Sendo assim, o Distributismo já se afasta claramente do socialismo, pois este diz que a propriedade deve ser estatal, mas também se afasta do capitalismo, no qual apenas uma porção possui propriedade privada e uma porção menor ainda pode ficar sem trabalhar.
Para Belloc, há três tipos de sociedade: servil (seja por conta de leis que obrigam gente a trabalhar para outros ou porque homens controlam homens), capitalista (propriedade nas mãos de poucas pessoas) e distributiva (propriedade nas mãos de grande número de pessoas). O Estado Servil tem duas vantagens: segurança pessoal e estabilidade. Além disso, proporciona a presença do lazer. As principais desvantagens são a ofensa à dignidade humana e a chance de abuso dos servos por senhores cruéis. O socialismo/comunismo é imaginário. Estabelece que o estado detenha os meios de produção, mas na verdade são alguns poucos homens que dominam. Há duas qualidades nos seres humanos que não permitirão o socialismo: o amor pela independência e o desejo de ter o máximo de coisas boas. Não há muita gente querendo dar tudo que tem para alguns homens que dominam o Estado. A vantagem moral do capitalismo é que todos os homens, embora pobres, se sentem livres, mesmo que se sintam vítimas de alguma injustiça e explorados, pois, a despeito de muito trabalho, continuam pobres. O capitalista sempre luta pelo lucro e pela sobrevivência, sempre deseja ter trabalhadores remunerados pelo mais baixo salário possível. O capitalismo traz aumento de riqueza, mas possui como desvantagem a perpétua competição e a constante ansiedade. Há imensa produtividade no capitalismo no início, mas rapidamente é destruída, e problemas morais e materiais são gerados. Por isso, muitos apontam o socialismo como remédio.
No Estado Distributivista, os homens seriam mais felizes para se realizarem, eles têm posse e são livres para decidir se querem trabalhar para outros ou não. O Estado Distributivista traz a liberdade e a segurança.
Mas tanto Belloc, como Chesterton viram fragilidades no Distributismo. Dessa forma, a nossa conversa pode ir por aí.
Primeiro, como inibir que alguns comprem as propriedades dos outros? Vou precisar de um Estado muito forte e inibidor. Na ausência de leis para evitar isso, o preguiçoso ou azarado perderá a propriedade. Segundo, o Estado Distributivista pode cair em rotina, e reduzir a velocidade do avanço tecnológico. Com pouco avanço tecnológico pode sofrer dominação por guerra. Terceiro, por que a pequena propriedade é melhor que a grande propriedade? A pequena propriedade é mais produtiva? A produção da pequena propriedade é vendida de forma mais barata para o consumo? Costuma ocorrer o contrário para as últimas duas perguntas. Finalmente, há sempre dificuldade na tentativa de grande número de pequenos proprietários se juntarem em prol de um propósito comum.
As duas primeiras e a última dificuldades foram reconhecidas em vida por Belloc-Chesterton. Mas além das outras questões, estão entre as principais críticas ao Distributismo as que dizem que é uma abordagem:
- Utópica, feita por não economistas;
- Atrasada, anacrônica, medieval;
- Concentrada no agronegócio, que não consegue explicar as questões urbanas;
- Que inviabiliza o crescimento tecnológico e assim tende a empobrecer o mundo;
- Que não reconhece a importância do mercado financeiro para o desenvolvimento.
Respondo em mais detalhes a todas essas críticas ao Distributismo no meu livro, mas, em resumo, só aceito as três últimas críticas, as duas primeiras são bobagens, especialmente, porque tanto o “livre mercado” como o comunismo são utópicos.
Em suma, acho que Distributismo errou em focar na propriedade privada. Isso só trouxe problemas, apesar de eu achar que idealmente mais gente deveria ter propriedade privada sim. O fato da doutrina se concentrar em propriedade privada atingiu o âmago, o calo, tanto do capitalismo (ou libertarianismo) como do comunismo. Mas na minha opinião não precisava ser assim.
Defendo que um doutrina econômica católica deveria ter como centro a “Igreja doméstica”, a família. Tanto individualmente, como a comunidade e o Estado deveriam pensar suas decisões a partir do bem-estar da família. Com isso, eu deixo de me preocupar demais que alguém seja capitalista, empregado ou servil, ou se preocupar se alguém vai ou não acumular propriedades, conquanto que todos se preocupem com o bem-estar da família deles e dos outros.
Considero que a melhor abordagem católica para economia deve ser baseada na família, por isso chamo minha sugestão de ética católica para economia de Familiarismo, que defino simplesmente como política econômica voltada para a proteção da família, homens, mulheres e filhos. Todas as ações pessoais e decisões políticas e econômicas dos governos, instituições globais e do setor privado devem ser avaliadas primeiro sob o ponto de vista do impacto na família, devendo-se mensurar se a política econômica financeira ou a mudança administrativa empresarial em debate protege ou não a família e os laços familiares.
A relação da família com desenvolvimento econômico é ponto pacífico para inúmeros pesquisadores. No meu livro, eu detalho diversas pesquisas acadêmicas que mostram o impacto de hecatombe da destruição do núcleo familiar para a sociedade, em termos de pobreza, gastos públicos, abortos, suicídios, feminismo radical, gayzismo, crimes, e relativismo e desordem social. Repetir aqui as pesquisas levaria a um artigo desproporcional. Mas é a luta pela família que está em jogo de forma mais aterradora no atual momento do mundo. Lembremos que de acordo com Irmã Lúcia, a visionária de Fátima, a “última batalha entre Deus e Satã será sobre o casamento e a família”. E essa batalha está declarada dentro da própria Igreja. Padres e bispos atacam-se uns aos outros por diferentes posições sobre casamento e sexualidade.
A real preocupação com a família deixará livre o progresso tecnológico que não prejudica o núcleo familiar, progresso que tem dificuldades de acontecer no âmbito do Distributismo. Em termos de mercado financeiro, o Familiarismo compartilha com o Distributismo (e com a Bíblia e a Igreja Católica) as preocupações com a usura, pois esta sim é uma força de prejuízo das finanças familiares e mesmo da propriedade privada dos mais simples.
Assim, o Familiarismo mantém muitas preocupações do Distributismo (como Solidariedade e Subsidiariedade), mas retira o ponto nevrálgico da propriedade privada que traz complicações enormes para a implantação da doutrina Distributivista, ao ponto de exigir quase a existência de um Estado totalitário que inibe a troca de propriedade entre as pessoas.
Sei que os defensores do Distributismo também exaltavam a importância da família, mas suas ideias práticas se fundamentam na busca de uma melhor distribuição da propriedade privada. Eu não enfatizo essa distribuição, acho que dentro de certos limites morais e legais os grandes proprietários de terras ou de capital podem conviver com os pequenos. Meu foco é a proteção familiar. Os salários, as decisões fiscais, as políticas financeiras, a política monetária e de preços, os projetos de lei, e as decisões empresariais devem ser avaliados especialmente sobre o ponto de vista da família, em favor da vida. Em defesa de que a economia tenha o intuito de aprimorar as condições de vida e financeiras para gerar, proteger e educar seus filhos.