Eugenia e outros males

Por Dale Ahlquist

Presidente da American Chesterton Society
Publicado originalmente com o título [Lecture 36] Eugenics and Other Evils, disponível no site Chesterton.org
Traduzido por Davi James Dias
Revisado por Renato O. Romano

“Eugenia” é uma palavra que soa bem, ao combinar os termos gregos referentes a “bom” e a “nascimento”. Francis Galton, inventor da palavra e da ideia por trás dela, sugeriu-a “para o aperfeiçoamento da humanidade”. Mas a parte boa da história para por aí. Pois a definição de “eugenia” é um tanto desagradável: reprodução controlada e seletiva da espécie humana. Galton baseou suas ideias nas teorias de seu primo: Charles Darwin. No início do século XX, quando o establishment científico enfim aderiu à teoria de Darwin, a eugenia era bem recebida pela crítica. O jornal The New York Times  tratou frequentemente do assunto e de maneira positiva. Luther Burbank e outros cientistas defenderam a eugenia. E George Bernard Shaw afirmou que somente uma religião eugênica poderia salvar a civilização.

Apenas um escritor, então, escreveu um livro contra a eugenia: G.K. Chesterton. Eugenics and Other Evils  talvez seja seu livro mais profético.

A eugenia levou diretamente ao movimento de controle de natalidade. Os mesmíssimos atores se envolveram em ambos os casos. Como exemplo, cite-se Margaret Sanger, membro da American Eugenics Society  e editora da Birth Control Review : “Mais filhos para os bem adaptados; menos filhos para os inaptos”. E deixou claro quem ela considerava inapto: “judeus, eslavos, católicos e negros”. Sanger abriu suas clínicas de controle populacional apenas nas áreas onde essas pessoas viviam. Defendia abertamente que se exigisse delas uma permissão oficial para ter filhos, “assim como os imigrantes precisam de visto”.

Ora, por que não se fala da ligação entre Margaret Sanger, fundadora da Planned Parenthood , e a eugenia?

Por causa de duas palavras: Adolf Hitler. Ele instituiu oficialmente a eugenia, fazendo com que um país inteiro colocasse em prática os princípios eugênicos, não apenas para produzir o que, segundo ele, seria uma raça superior, mas também para eliminar todos aqueles que considerava inferiores. E onde as ideias eugênicas de Hitler encontraram pronto amparo? Em Margaret Sanger e seu círculo. Cientistas partidários da eugenia escreveram artigos para a Birth Control Review de Sanger, e membros da American Birth Control League , também fundada por Sanger, visitaram a Alemanha nazista e voltaram com relatos entusiasmados de como as leis de esterilização estavam “removendo da estirpe germânica as piores raças, de modo científico e bastante humanitário”.

Depois da 2ª Guerra Mundial, quando o mundo tomou conhecimento dos horrores do holocausto e dos campos de concentração, o termo “eugenia” foi totalmente desacreditado. Margaret Sanger não demorou a se distanciar da eugenia e passou a enfatizar o controle de natalidade como se fosse uma questão feminista. Hoje não se fala mais em eugenia.

Infelizmente, porém, a filosofia por trás da eugenia ainda permanece. De modo geral, pode-se dizer que os argumentos originários a favor da eugenia tornaram-se os mesmos argumentos a favor do controle de natalidade, do aborto, da eutanásia e até da clonagem.

Chesterton entendeu a situação. E isso em 1910, quando começou a escrever o referido livro, publicado apenas em 1922. Como em muitas outras ocasiões, Chesterton viu exatamente o que nós vemos, com a diferença de que o viu muito antes dos acontecimentos.

A eugenia, assim como o aborto, fundamenta os seus benefícios em privar toda uma classe de seres humanos de sua humanidade. No caso da eugenia, eram os “inadaptados”, o que em geral queria dizer: os pobres, os fracos ou, simplesmente, os membros de determinada etnia que tinham filhos demais. No caso do aborto, alguém se beneficiaria da eliminação do mais fraco e indefeso dos seres humanos: o nascituro. Como diz Chesterton, com precisão assustadora: “Cuidam da vida dele com o objetivo de tirá-la”.

A eugenia e o aborto têm relação com a tirania de uma elite que decide quem poderá viver e quem deverá morrer. E se se trata de elite, trata-se de dinheiro. Foram os Rockefellers, os Carnegies e outros barões capitalistas que financiaram as pesquisas eugênicas no começo do século XX. Depois, tornaram-se os maiores apoiadores da organização Planned Parenthood. Chesterton diz que a riqueza e a ciência social financiada por ela fazem experiências desumanas e, quando os cientistas malogram, tentam experiências ainda mais desumanas. São desumanos porque não acreditam em Deus. Mas não acreditam em Deus porque não querem encarar o quanto são desumanos. O industrial abastado tornou-se agnóstico, diz Chesterton, “não tanto por não saber onde estava, mas porque queria esquecê-lo. Entre os ricos, há muitos que partiram para o ceticismo pelo mesmíssimo motivo por que os pobres começam a beber – por escapismo”.

A eugenia também tem relação com a tirania da ciência. Esqueça o velho e desgastado argumento de que a religião oprime a ciência. Chesterton chama a atenção para o fato óbvio de que, no mundo moderno, acontece exatamente o contrário.

Hoje, aquilo que tenta realmente exercer sua tirania, através do governo, é a Ciência. Aquilo que de fato recorre ao braço secular é a Ciência. E o credo que está mesmo a arrecadar dízimos e a conquistar escolas, o credo que se impõe por meio de multas e de prisão, o credo que se proclama não em sermões, mas em estatutos, e que se difunde não por peregrinos, mas por policiais – esse credo é aquele sistema de pensamento notável, mas controverso, que teve início com a teoria da evolução e resultou na eugenia. O materialismo é, com certeza, a nossa Igreja oficial; e o governo irá ajudá-la a perseguir os seus hereges.

Chesterton afirma que o problema da ciência oficial é que, a passos regulares, ela se torna tanto mais oficial quanto menos científica. Escreve ele: “O homem comum estará necessariamente à mercê de um clero acadêmico”. Se aqueles que se preocupam com as verdades tradicionais tentarem opor-se à eugenia, ao controle de natalidade ou à clonagem serão fuzilados pelo que Chesterton chama de “a mesma ciência quadrada, a mesma burocracia persecutória e o mesmo terrorismo exercido por professores universitários de quinta categoria”.

[Nota: Uma edição de Eugenics and Other Evils, recém-publicada pela editora Inkling Books, revela esse “terrorismo exercido por professores universitários de quinta categoria”. O editor Michael Perry incluiu artigos e excertos de Francis Galton, da American Eugenics Association, da revista Birth Control Review e de outros defensores da eugenia. Os autores mais antigos revelam suas ideias atrozes; os que vieram depois, por sua vez, consideram o livro de Chesterton um obstáculo à implementação de suas ideias.]

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