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Introdução de GK Chesterton ao livro “Deus e a Inteligência na Filosofia Moderna”, de Fulton Sheen

Por G. K. Chesterton

Introdução de GK Chesterton ao livro “Deus e a Inteligência na Filosofia Moderna”, de Fulton Sheen

Traduzido por Mateus Leme

 

Neste livro, como em geral ocorre no mundo moderno, a Igreja Católica é apresentada como a única campeã real da Razão. Com efeito, há cem anos houve uma escola de livres-pensadores que atacavam Roma por um apelo à Razão. Porém a maior parte dos livres-pensadores recentes estão, por culpa própria e não nossa, afastando-se da Razão ainda mais do que de Roma. Um dos melhores e mais brilhantes, o Sr. Bernard Shaw, disse muito recentemente que nunca poderia concordar completamente com a Igreja Católica por esta ser racionalista ao extremo. Neste sentimento ele é ao menos bastante racional; isto é, como diríamos nós, pobres racionalistas, ele está completamente correto. A Igreja é maior que o mundo; e resistiu francamente aos mesquinhos racionalistas que afirmavam que tudo que existe pode ser estudado exatamente da mesma maneira que é usada para algumas coisas particulares no mundo. Mas nunca disse que essas coisas não deveriam ser estudadas, ou que a razão não fosse a forma apropriada de o fazer, ou que alguma pessoa tivesse algum direito de ser irracional ao estudar qualquer coisa. Defende a sabedoria do mundo como o meio de lidar com ele; defende o bom senso e o pensamento consistente e a percepção de que dois e dois são quatro. E nestes dias é a única a defendê-lo.

Lembro-me de um romance, de uma espécie desconexa mas bastante interessante, que apareceu em uma das estranhas e sensacionais séries que costumavam ser produzidas pelo falecido W. T. Stead. Começava com o incidente de uma heroína cética moderna que entrava em um confessionário e dizia ao padre que não acreditava em sua religião. Ele perguntou em que ela acreditava, e ela disse reflexivamente: “Bem, não acredito na Bíblia, e acho que não acredito na imortalidade da alma, e não tenho certeza se acredito em Deus” e assim por diante. E o impassível sacerdote replicou: “Não perguntei em que você não acredita, mas sim em que você acredita de fato”. “Bem”, disse a moça, “acredito que dois mais dois são quatro”. “Muito bem então”, disse o padre, “viva de acordo com isso”.

Essa sempre me pareceu uma boa história, embora em uma situação estranha; porém houve uma continuação ainda mais estranha. Naqueles últimos dias do século XIX, a moça cética de fato fizera aquela citação da tabuada assumindo que esse era um mínimo que ninguém poderia evitar crer. Porém em algum lugar mais ou menos ao mesmo tempo, o típico profeta daquele período, Ibsen, poderia estar escrevendo as palavras: “Quem sabe se dois mais dois não são cinco nas estrelas?” Seria de imaginar que em uma época de racionalistas tão completos e bem preparados, alguém teria sido racional o bastante para retrucar com a questão óbvia: “Se você não está certo de que existam quaisquer fatos permanentes, como pode estar certo de que há estrelas?” A própria existência de muitas estrelas só é provada pela matemática; isto é, fazendo um milhão de vezes seguidas a hipótese de que dois mais dois são quatro. Mas é curioso que eu nunca tenha ouvido essa espécie de réplica racional a uma dúvida como essa de Ibsen, exceto vinda de católicos romanos. A fórmula matemática pode ser o máximo da crença da moça e o mínimo da filosofia do padre, mas este está mais preparado para defender sua filosofia do que aquela a sua religião. Essa espécie de moça hoje em dia corre atrás de qualquer modismo maluco de misticismo e credulidade, desde que seja oposto à razão. Segue o Sr. Coue, que diz que é melhor chamar as coisas de boas porque elas estão piores. Corre atrás da Sra. Eddie, pois esta denuncia uma dor de dentes que não existe por existir. Procura o Professor Einstein porque este tem a fama de dizer que linhas retas são curvas, linhas paralelas se encontram e que uma jarda pode medir mais de um lado do que de outro. Segue os pragmáticos pois estes têm a prova de que todas as provas são inúteis. Procura os místicos do Oriente porque espera que lhe digam que nada é bom porque é tudo, ou então que tudo é bom porque na realidade é nada. Mas o padrezinho continua sentado em seu confessionário acreditando que dois mais dois são quatro, e vivendo de acordo com isso. A questão à qual o Dr. Sheen aplica aqui o método racional em oposição ao irracional é a questão mais tremenda do mundo; talvez a única. Por essa razão, prefiro deixar a seus cuidados sua consideração intrínseca; e nestas breves palavras de introdução lidar com o método mais do que com o assunto em questão. O assunto é a natureza de Deus até onde esta pode ser compreendida pela natureza do homem. Como aponta o Dr. Sheen, a pureza intelectual do problema é hoje em dia muito confundida por uma espécie de versão sentimental da dignidade divina do homem. Como em todos os outros assuntos modernos, as pessoas em questão agarram-se ao sentimento sem o raciocínio. Não há nada em particular a respeito de um antropoide objetivo com um chapéu que pudesse forçar qualquer pessoa a encará-lo como um animal sagrado; como um gato ou crocodilo sagrado. Este sentimento é um sedimento; é a escória de nosso dogma sobre uma origem divina. Começam curvando-se perante o homem como imagem de Deus; e então esquecem Deus e curvam-se perante a imagem gravada. Da mesma forma, como também aponta o autor, a questão do sim e não é enfraquecida com toda aquela cansativa discussão sobre mais e menos, que se tornou popular desde o velho rebuliço sobre a Evolução. É a visão de que o Ser é o Tornar-se; ou de que Deus não existe ainda, mas parece viver nas esperanças. A blasfêmia não é nossa. Já é suficiente para nós que nossos inimigos tenham recuado do território da razão, em que antes proclamaram tantas vitórias; e retornado às fronteiras do mito e do misticismo, como tantos outros bárbaros com os quais a civilização está em guerra.

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