Ortodoxia

Por Gabriele Greggersen

Publicação autorizada pela autora

Disponível no site Ultimato

Muita gente não sabe, mas C. S. Lewis foi muito influenciado, entre outros, pelo jornalista, escritor e palestrante britânico G. K. Chesterton (1874-1936), principalmente no que diz respeito à sua concepção de contos de fada. Ele se tornou conhecido pelas aventuras do memorável Padre Brown, obras que beiram o fantástico, como “O Homem que era Quinta Feira”, entre outros trabalhos mais investigativos.

Como jornalista, Chesterton contribuiu para importantes jornais de Londres. Seu estilo comunicativo bem-humorado e sua arte argumentativa e equilíbrio eram apreciadas por Jorge Luis Borges, Ernest Hemingway, Gabriel García Márquez, e T. S. Eliot, além de Mahatma Gandhi e Martin Luther King, apesar de algumas divergências.

O texto em que ele fala sobre os contos de fada encontra-se em “Ortodoxia”* (1908), um relato da peregrinação espiritual do jovem Chesterton aos seus 34 anos, ex-ateu, ex-socialista, profundamente inserido nas questões do seu tempo, à procura de respostas sinceras para perguntas honestas. Ironicamente, confessa, o navegador que saiu para “descobrir a América”, na realidade, acabou por reencontrar a boa e velha Inglaterra (Ortodoxa). Mal imaginava ele que, cem anos depois, o livro se mostraria ainda tão atual e incisivo quanto às frases que o tornaram célebre.

Mas o que vem a ser Ortodoxia? Lembrando que orto significa “reto”; e doxa, “crença ou glória”, mas no senso comum, a palavra cheira a algo retrógrado, ultrapassado e dogmático. De fato, é preciso considerar que Chesterton não pretendia ser original com um título desses. Ele fala do que há muito tempo já sabe o homem comum: Que o mal existe e deve ser combatido. Que a miséria é absurda. Que a realidade também existe e é gloriosa. Que a tirania do passado está sendo substituída pela tirania do futuro. Que as principais questões da vida e sua moral encontram-se já encravadas nos mais insuspeitos contos de fada. Que a ciência tem limites que precisam ser respeitados. Que o novo não necessariamente supera o antigo. Que não existe a neutralidade política, religiosa, econômica. Que o antropocentrismo, os extremismos e outros “ismos” são absurdos. Enfim, que somente quando partimos de um ponto de referência absoluto e reto, podemos admitir o que é relativo. É essa a sabedoria milenar por trás dos dogmas.

Quem sabe, uma das frases mais célebres de “Ortodoxia”, nesse sentido, seja: “O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão”. Por outro lado, ele defende o uso da razão, desde que dentro do que chama de “razoável” para uma obra em relação ao seu criador, o logos ou razão primordial.

Essa paradoxal postura equilibrada entre os extremos do ceticismo racionalista e do sentimentalismo irracional é a marca registrada de Chesterton. A ortodoxia, assim entendida, é “o único guardião lógico da liberdade, da inovação e do avanço”. Sem ela estaremos como cegos em tiroteio. Se você quiser conservar um poste de luz branco, explica ele, precisa passar sempre uma nova tinta nele. Inovação não significa destruição; nem tão pouco a tradição, estagnação.

A ortodoxia cristã resume-se ao “Credo dos Apóstolos”, ou confissão comum a todos os cristãos católicos e protestantes. Longe de ser uma camisa de força, esses princípios simples são a via de acesso a ideais humanos como: a justiça, a amizade, a liberdade, a coragem, a paz e a alegria. Assim, Chesterton resgata o núcleo da fé cristã, capaz de dar sentido à existência humana como um todo.

Nessa linha, o capítulo dedicado aos contos de fada (ou dos Elfos), diz que aquele é “o país ensolarado do bom senso. Não é a terra que julga o céu, mas o céu que julga a terra.” É nisso que C. S. Lewis vai apostar em seu clássico “Cristianismo Puro e Simples” e em suas famosas “Crônicas de Nárnia”, e tantos outros vão seguir o exemplo.

Nota:

* Publicado no Brasil pela Editora Mundo Cristão.

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