Por: G.K Chesterton
De: Fancies versis Fads by G.K.Chesterton.
Nova Iorque, Dodd, Mead and Company, 1923
Tradução: Pedro Erik Carneiro
Nota do Tradutor: Neste texto, Chesterton critica os teóricos da educação que defendem uma “terceira via” para educar as crianças, entre o método coercitivo da palmatória da geração dos seus os avós e o método persuasivo sentimentalista da geração dos seus pais.
Todo mundo diz que cada geração se revolta contra a anterior. Ninguém parece notar que ela geralmente se revolta contra a revolta da última. Isto é, a mágoa da anterior determina a última reforma. Considere um exemplo ligeiro. Há um novo tipo de romance sobre o qual eu tenho observado nos jornais. Não, não é um romance impróprio. Pelo contrário, é ainda mais apropriado do que seus autores imaginam, é quase cerimonioso. É de fato uma reação em direção a uma moralidade antiquada, e longe da moralidade moderna. Não é tanto uma revolta das filhas como é um retorno para as avós.
A senhorita May Sinclair escreveu um romance do tipo que menciono sobre uma solteirona cuja vida foi marcada por uma delicadeza na sua educação que ensinou a ela, ou melhor, esperava que ela sempre se “comportasse lindamente”. A senhora Delafield escreveu uma estória com o refrescante título de “Humbug” (embuste) no mesmo sentido. O texto sugere que as crianças são treinadas de fato para a ilusão e especificamente para o autoengano por um tratamento delicado e atencioso que continuamente apela para os melhores sentimentos, os quais sempre dizem, “Você não pode magoar seu pai.” Vejam, certamente uma educação mais antiquada e simples nem sempre diz “Você não pode magoar seu pai.”. Por vezes, ela prefere dizer, “Seu pai magoará você.” Eu não estou sendo contra ou a favor que um pai use a palmatória. Eu estou mostrando que a senhorita Sinclair e os romancistas modernos estão de fato defendendo que o pai use a palmatória, e contra um movimento mais recente que supostamente iria reformá-lo. Eu mesmo me lembro da época que os progressistas nos indicavam, como método feliz, o próprio método que eles agora condenam. Eles nos dizem que a verdadeira educação apelará apenas para os melhores sentimentos da criança; a educação seria completamente devotada para ensiná-las a viver lindamente; o método não usaria argumentos mais arbitrários do que dizer, “Você não magoará seu pai.” Esta educação ética era todo o plano educacional de quando eu era jovem. De antemão, eles nos garantiam que este tratamento psicológico seria mais efetivo do que o bullying e o feio uso da autoridade. A esperança do futuro estava no treinamento de jovens com um otimismo humanitário; em outras palavras, a esperança foi posta sobre algo que, quando é estabelecida, a senhora Delafield instantaneamente chamaria de embuste e a senhorita Sinclair parece odiar como o inferno. O que elas sofrem, aparentemente, não é dos abusos de seus avós, mas da mais modernas reformas de seus pais. Estas queixas são os primeiros frutos da educação reformada, das sociedades éticas e dos idealistas sociais. Eu repito que eu não estou nem por um momento relatando as opiniões deles ou as minhas. Eu não estou vangloriando suas palmatórias ou seus bisturis psicológicos; Eu estou argumentando que o clamor pelo bisturi inevitavelmente envolve uma palmatória. Eu nunca me posicionei defendendo nem um nem outro; mas eu digo que gerações progressistas sempre enrolam elas mesmas em novos nós, então rugem e gritam alto para serem soltas.
Parece um pouco difícil para um idealista no final do período vitoriano ser tão amargamente criticado simplesmente por ser gentil com os filhos dele. Existe algo inconscientemente cômico na última geração de críticos, que estão gritando contra seus pais, “Nunca, nunca irei esquecer a maneira carinhosa que a minha mãe me tratou”. Há certa ironia na amargura que diz, “Minha alma grita por vingança quando eu me lembro de que meu pai era atencioso na mesa de café da manhã; minha alma está ardendo pela persistente insolência de meu tio William por ele não bater na minha cabeça.” Parece um pouco apressado culpar esses idealistas por idealizarem a vida humana, quando eles estão apenas seguindo o que foi seriamente planejado antes deles como a educação ideal. Mas se isto é para ser dito do último idealista vitoriano, há algo a ser dito do autoritário vitoriano da geração anterior. Usando o mesmo argumento deles, há algo a ser dito para o Tio William se ele de fato espanca as crianças na cabeça. É realmente complicado, mesmo para o tataravô com uma palmatória, que nós deveríamos falar mal dele meramente por ter negligenciado os métodos persuasivos que nós mesmos temos abandonado. É complicado insultá-lo por não ter descoberto ser bom o mesmo sentimentalismo que nós consideramos podre.
O pior de tudo desses modernistas é que eles tentam encontrar uma terceira via, que não é nem a autoridade que eles condenam por não ser persuasiva o bastante nem a persuasão que eles condenam por ser pior que a autoridade. O mais perto que eles conseguem prover como uma alternativa é alguma noção sobre a individualidade; sobre buscar a verdadeira personalidade da criança, ou permitir que um ser humano encontre seu verdadeiro eu. Isto talvez seja a conversa mais sem sentido em toda a confusão do mundo moderno. Como pode uma criança de sete anos decidir se ela tem ou não tem encontrado sua verdadeira individualidade? Como, ainda, um adulto pode dizer isso para a criança? Como alguém pode saber se alguém se tornou o seu verdadeiro eu? No sentido mais elevado da questão isso é assunto do misticismo; isso está relacionado com o propósito do nascimento dela. Isso é unicamente o propósito de Deus, e isso é um mistério. Em qualquer um que não aceita que há algo como o propósito de Deus deve haver confusão. Não é sem significado que isso não pode ser chamado de mistério mas apenas mistificação. Humanamente considerado, uma personalidade humana é a única coisa que de fato emerge de uma combinação de forças que saem de dentro da criança e forças que vêm de fora dela. A criança não cresce no vazio ou em um vácuo que não sofre influência do exterior. Circunstâncias controlarão ou contribuirão com seu caráter, se eles são da palmatória de seu avô ou da persuasão de seu pai ou das conversas entre os personagens da senhoria May Sinclair. Quem poderá dizer afirmativamente quais dessas coisas têm ou não têm ajudado na verdadeira personalidade?
O que é a verdadeira personalidade? Esses filósofos falam como se houvesse um animal completo e complexo emaranhado em todo bebê, e nós tivéssemos que fazer nada apenas permitir que este animal surgisse com um grito. De fato, nós todos sabemos, que no caso das personalidades mais distintas e finas, que seria muito difícil separá-las dos sofrimentos que elas passaram, assim como das verdades que elas encontraram. Mas, de alguma forma, esses pensadores devem nos fornecer algum guia sobre como eles propõem nos dizer se a noção transcendental deles de verdade do eu tem sido realizada ou não. Do jeito que está, ninguém pode dizer se qualquer parte da personalidade é ou não um adendo artificial que esconde a personalidade. Em ficção, a maioria dos personagens selvagens e anárquicos me parece inteiramente artificiais. Na vida real eles não seriam os mesmos, se eles enfrentassem a vida real. Mas de alguma forma, eles são produtos da experiência bem como dos impulsos básico; eles seriam influenciados de alguma maneira pelo o que passaram; e qualquer um pode especular se eles seriam os mesmos se não tivessem tido tais experiências. Qualquer um pode se divertir tentando subtrair aquelas experiências e encontrar o eu; qualquer um que deseje desperdiçar seu tempo.
Portanto, sem qualquer fanatismo pelos métodos antigos, se coercitivos ou persuasivos, eu realmente acho que eles tinham uma base de senso comum que está faltando na teoria da terceira via. Os pais, se persuadindo ou punindo a criança, eram pelo menos cientes de uma verdade simples. Eles sabiam, no seu íntimo, que apenas Deus sabe o que a criança é realmente, ou que ela deve ser. Tudo que nós podemos fazer com ela é ensiná-la com aquelas verdades que sabemos ser verdades não importa o que ela seja. Nós devemos ter um código de moral que nós acreditamos ser aplicável a todas as crianças, e impô-lo sobre a criança porque é aplicável a todas elas. Se é parte da personalidade dela se tornar um vigarista ou um torturador, nós devemos dizê-la que nós não queremos que nenhuma personalidade se torne um vigarista ou um torturador. Em outras palavras, nós devemos acreditar na religião ou em filosofia firmemente para assumir a responsabilidade de agir segundo os preceitos delas, mesmo que as gerações seguintes batam ou chutem a porta. Eu sei que a palavra educação significa fazer surgir, criar e mera instrução significa preencher. E eu respeitosamente respondo que apenas Deus sabe o que há para surgir, mas nós podemos ser razoavelmente responsáveis com o preenchimento.