Muita gente estranha que Chesterton em toda sua bagagem de crítico literário levasse tão a sério as histórias de detetive, para muitos o patinho feio da literatura. Mas o criador do Padre Brown as levava muito a sério, provavelmente mais que qualquer outro escritor.
As novas novelas de cavalaria
O gênero tem origem popular, nos penny dreadfuls ingleses, histórias baratas vendidas em folhetim, normalmente sobre assassinatos em circunstâncias misteriosas. Esse tom popularesco, algo folclórico, explica porque tantos críticos literários torcem o nariz para o gênero. E já seria o suficiente para supormos porque Chesterton, apaixonado pelo homem comum e por tudo o que é popular (Dickens, seu escritor favorito, foi um escritor popular) teria esse grande fascínio por histórias detetivescas. Mas a coisa é mais profunda.
Como o enredo clássico das histórias de detetive mostra o bem desmascarando o mal, Chesterton as enxergou como modernas alegorias moralizante. Ele viu a personagem detetive como uma versão urbana do cavaleiro errante que sustenta a lei e a ordem contras as forças do caos. Ele viu nas histórias de detetive uma atualização em contos modernos das novelas de cavalaria camponesa.
Mais real que o romance realista
Chesterton não defendeu a superioridade literária dos contos detetivescos em relação aos romances modernos que os críticos levam a sério. Mas ele defendeu, sim, que as histórias de detetive, tais como devem ser, cheias de perigos e reviravoltas, representam um retrato mais fidedigno da vida. Afinal, a vida real é cheia de perigos e reviravoltas, ele dizia.
Chesterton via histórias de detetive como uma série de disputas entre livre-arbítrios individuais e não como o conflito de forças impessoais. No seu entender, o romance moderno psicológico ou social é inferior na representação da vida pois suas conclusões parecem inevitáveis. O grandioso na investigação de um assassinato é que o leitor não tem ideia do responsável pela atrocidade. Como explica o Padre Brown:
“A minha experiência é que qualquer tipo de homem que se possa imaginar já foi um santo. E suspeito que você também descobrirá que qualquer tipo de homem que se possa imaginar já foi um assassino”
Chesterton viu as histórias de detetive como parábolas da doutrina do Pecado Original. E levou isso às últimas consequências, com talento literário inigualável, nas histórias do Padre Brown – histórias de detetives que nem os críticos puderam resistir.