Gilbert Keith Chesterton
Tradução de Wendy A. Carvalho
‘On being an old bean’, disponível no livro Fancies and versus Fads, 1923
Folheando partes de jornais que trouxe até perto de uma cabana afastada, ao lado do rio de Norfolk, fiquei meio desnorteado, não por estar lendo o jornal comum, mas pelos vários tipos de publicações, fossem eles tranqüilos e minuciosos. Porém, o que me deixou tão curioso quanto um buraco foi a seleção de mais ou menos cem coisas desnecessárias, cuja repetição algumas responsáveis pessoas acharam essencial. Parecia um mérito desproporcional enfatizar uma frase comum que eu disse a respeito do comportamento de um cavalheiro a chamar seu pai de feijão velho. Pedi para entrar numa discussão no “Morning Post,”* para tratar do desrespeito daquele jovem com a velhice. Foi exatamente o que fiz e, a despeito da minha profunda divergência com ele em outros assuntos vitais, respeito o Morning Post por sua coragem ao denunciar a corrupção política e as conspirações cosmopolitas. Falei que eu devia ter pensado aquele comportamento como algo tão verdadeiro quanto comum; como algo que torna a vida mais estreita, não mais ampla, perdendo o aspecto essencial de piedade ou respeito pelo tradicional, e que chamar de feijão velho um velho homem é simplesmente perder todo o inteligente senso do que significa a senilidade. Desde então, para diversão minha, investem-me de vários papéis como o de um pai gordo e feroz, amaldiçoando deliberadamente as várias hordas juvenis que o chamam de feijão velho. Isto é injusto. Eu seria o último a negar que sou gordo, mas negaria ser paternalmente gordo ou ferozmente gordo, fosse como fosse. Particularmente, vejo tal questão com um desapego que beira a indiferença. Não posso imaginar quem quer que seja, exceptuando-se um velho e imprestável vegetariano, dançando alegremente por ser um feijão velho; e não sou um vegetariano imprestável. Imagino muito menos alguém que trate esta acusação com pavor e ressentimento; os pecados e crimes que difamam a carreira de um feijão podem ser relativamente poucos; seu aspecto deve ser singelo, livre de complexidade; e seu estilo de vida, inocente. Noutro dia, um filosófico racionalista me escreveu perguntando sobre a rigidez com que abraço as mais grosseiras superstições do passado, o que o fazia lembrar de “uma velha porca a esperar inflexível os restos de legumes da cozinha,” e demonstrou sua esperança de que eu seja tirado desta profissão – de que tire “o boné e os sinos de outrora.” Isto parece uma clara semelhança, embora meus amigos feministas podem ficar irritados vendo-me ser comparado tanto a uma leitoa ou porca; e embora eu não tenha sido claro o bastante sobre como o animal ficaria quando fossem recuperados o boné e os sinos de outrora. Mas seria realmente uma pena ser satisfeito com algo da horta quando fosse possível encontrar a satisfação de rever sinos e boné. Seria certamente uma perda de oportunidade de treinar a si mesmo para a furiosa tentativa de chamar seu inimigo de besta e, depois, de feijão.
Pelas passagens que li, parece que certas senhoras estavam especialmente animadas no seu protesto contra meus antiquados preconceitos; elas muito protestaram uma festa de feijões velhos. A maneira com que o argumento geralmente se apresenta questiona porque pais e filhos não deveriam ser amigos ou, no dizer deles (dizer do qual profundamente lamentam), companheiros. Penso que nenhum termo carrega um significado suficientemente distintivo; e acho que o melhor termo para o que querem designar seria ‘camaradas’. A camaradagem é uma coisa muito verdadeira e esplêndida, mas naquele caso é simplesmente o fingimento da camaradagem. Um garoto não leva sua mãe com ele quando caça passarinhos. Sua afeição à sua mãe é de outro tipo, desvinculada à idéia dela escalando uma árvore. Geralmente, três homens não levam junto uma querida e idosa tia como parte de suas bagagens num passeio a pé; e se o fizessem, não seria algo tão desrespeitoso com a velhice ou injusto com a juventude, pois esta confusão entre duas coisas valiosas e variadas, como a maioria das confusões modernas, pode muito bem incorrer em obscurantismo, bem como em abuso amotinado; e é tão fácil tornar-se tirania quanto tornar-se legitimidade. Se as tias de um garoto forem suas camaradas, por que ele precisaria de outros camaradas além delas? Se seus pais fossem perfeitos e realizados companheiros, por que perderia tempo com companheiros mais ignorantes, imaturos e inadequados. Assim como em muitas outras coisas boas e modernas, o fim da velha dignidade parental seria o início de uma nova tirania parental. Eu preferiria que o garoto amasse seu pai enquanto seu pai, do que se amedrontasse como diante de um gigante Frankenstein pertencente a um amigo grande e arrogante, enquadrado naquela amizade desigual com as armas da psicologia e da psicanálise. Se ele ama seu pai como pai ele o ama como um homem velho; e se estamos para abolir todas as diferenças de espírito entre os mais velhos e nós, nós temos que fazer presumivelmente a mesma coisa que os mais jovens em relação a nós. Todas as pessoas sãs, por exemplo, sentem uma instintiva e quase impessoal afeição por um bebê. O bebê é um camarada? Ele passeia ou sobe em árvores? Ou por ele aboliríamos todos passeios e árvores? Será que o avô de noventa anos, o filho de trinta e o neto de três se equiparam juntos para suas viagens com as mesmas mochilas e bermudas? Li nalgum lugar que entre os dez, doze ou duzentos tipos de piedade filial reverenciados pelos Chineses estava o de um estadista velho e sábio, que vestiu-se como uma criança de quatro anos e dançou em frente aos seus pais ainda mais velhos, para agradá-los com a romântica ilusão de que eles ainda eram bastante jovens. Tal atitude em si mesma não poderia chamar atenção; mas estou pronto a defendê-la em si mesma. Foi uma excepcional e mesmo extraordinária festividade, como os opositores da Saturnália; eu queria ter visto algum velho, vigoroso e honrado homem como o Senhor Halsbury ou o Ascebispo da Cantuária a realizar um ato similar de piedade. Mas na Utopia da camaradagem que agora nos foi recomendada, o velho e o jovem são chamados normalmente a pensar parecido, sentir parecido, falar parecido e, portanto, vestir parecido. Se os pais se vestem como crianças ou o inverso, fica claro que devem se vestir como companheiros, seja lá qual for a veste cerimonial da categoria. Imagino que seja algo em tecido clássico, bastante quadriculado.
Considerando estas coisas eu olhei através do jardim da cozinha da casinha, e a associação entre ervilhas e feijões trouxe a fantasia de volta à tola ilustração do discurso com o qual a discussão começou. Há um provérbio que parece com nosso dizeres populares, um provérbio nacional, sobre coisas que são parecidas com duas ervilhas. Há algo significante no fato de que esta coisa tão próxima da imaginação rural podia chegar a uma mera monotonia mecânica. Por uma questão de fato, é altamente improvável que duas ervilhas quaisquer sejam exatamente iguais. Uma pesquisa sobre todo o universo das ervilhas, com todas as suas formas e usos, provavelmente revelaria todo tipo de significado entre as ervilhas afetuosas e sentimentais e as ervilhas secas e ascéticas. A maquinaria moderna foi muito além dessas tentativas rurais e monótonas. As coisas não se parecem tanto quanto duas ervilhas, no sentido de que não são parecidas como dois alfinetes, mas a irreverente frase desta discussão implica que são, de fato, iguaizinhas como dois feijões. É realmente parte da filosofia humilde e horizontal que assimila demais as coisas umas às outras. Não quer dizer que vemos qualquer significado imaginativo no uso do termo, como em um provérbio nacional. Não é que vejamos um velho homem honrado com um belo cabelo grisalho e ondulado e dizer a ele de maneira poética: “Permita-me, venerável couve-flor, saber como está sua saúde.” Não é que digamos a um velho farmacêutico com profunda e rica complexidade: “Eu confio, ó mais admirável das beterrabas, que és exatamente o que pareces.” Quando dizemos “Como vai você, feijão velho?”, o erro não é tanto que dizemos algo rude, mas que podemos não expressar nada, pois é algo sem significado.
Aconteceu que acabei conhecendo a garota da família da casinha, e mostrei a ela o corte, e perguntei qual era o problema no ato chamar o pai de feijão velho, pelo que riu ironicamente, e simplesmente disse: “Como se alguém fosse dizer isso!”
* Jornal conservador da época. [N. do T.]