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Tolkien é o pai dos hobbits, mas Chesterton é o avô

É quase certo: quem lê Chesterton costuma ler Tolkien

Nem todos os fãs de O Senhor dos Anéis costumam ler O Poeta e os Lunáticos. Muitas vezes por Chesterton ser menos conhecido, ou por ter escrito uma vasta obra de não-ficção sobre muitos assuntos (assuntos que abordamos em nossa coletânea O Essencial de Chesterton). Os fãs de Tolkien costumam buscar aquela ficção fantástica cheia de elfos, dragões e hobbits; mas entre os fãs de Chesterton, não poucos conhecem a Terra-Média.

O que pouca gente sabe é que Tolkien deve muito a Chesterton. Sem o apóstolo do senso comum, talvez não houvesse a Terra-Média como conhecemos.

Há poucas menções diretas de Tolkien a Chesterton. Sabemos por sua filha, Priscila, que ele era “aprofundado nos trabalhos de Chesterton e Hilaire Belloc” e o biógrafo George Sayer conta que ele sabia recitar de cor alguns poemas de A Taberna Ambulante. Também há uma palestra que Chesterton deu em Oxford que Tolkien teria participado, embora não a mencione diretamente. Mas o tema da palestra, que é recorrente na obra de Chesterton, ressoou na obra de Tolkien: a importância da escrita e da imaginação como algo mais realista que as outras formas de pensamento.

“As coisas nas quais mais acreditava, na época, e as coisas nas quais mais acredito agora são os chamados contos de fadas. Tais contos são, a meu ver, absolutamente racionais. Não são fantasias: as outras coisas é que, comparadas a eles, parecem-me fantásticas.

O País das Fadas não é outra coisa senão o ensolarado país do bom senso”.

Esse trecho do capítulo “A Ética da Elfolândia”, presente em Ortodoxia ecoa no ensaio Sobre Contos de Fadas. Segundo o criador da Terra-Média, essa é a função de recuperação, um dos papéis dos contos de fadas.

Tolkien diz que os contos de fadas deveriam recuperar nossa visão clara

“Não digo ‘ver as coisas como elas são’, porque assim me envolveria com os filósofos, porém posso arriscar-me a dizer ‘ver as coisas como nós devemos (ou deveríamos) vê-las’ – como coisas à parte de nós mesmos.”

A fantasia seria o remédio que devolve o realismo ao homem. Como Chesterton explicou naquela palestra em Oxford: a escrita e a imaginação são mais realistas que outras formas de pensamento.

Por isso, alguns parágrafos depois, Tolkien descreve um subgênero fantástico que considera especialmente bom para esse resgate da realidade. Ele o chama “fantasia chestertoniana”. É a fantasia de O Poeta e os Lunáticos, que vê o mundo de cabeça para baixo. A fantasia de A Inocência do Padre Brown que vê o homem como um estranho animal exótico. É feita a partir de situações triviais “para denotar a estranheza de coisas que se tornaram triviais quando de repente são vistas por um novo ângulo”.

Todo o universo da Terra-Média, profundamente realista e moral, nos remete aos dizeres de Chesterton no artigo “The Red Angel” (que será publicado em O Essencial de Chesterton):

“O bebê conhece intimamente o dragão desde que começa a imaginar. O que o conto lhe dá é um São Jorge para matá-lo”.

Gandalf se sacrificando para salvar seus amigos do Balrog de Moria é um lembrete para a realidade: os dragões existem, mas podem ser derrotados.

Em O Essencial de Chesterton você poderá ler alguns dos artigos sobre os contos de fadas. Os que, mais tarde, iriam moldar a filosofia da fantasia de Tolkien. Garanta já seu exemplar!

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