Um Santo Improvável

A Most Unlikely Saint
Por JAMES PARKER
Tradução de Raul Martins

SE A IGREJA CATÓLICA fizer de G. K. Chesterton um santo — como um grupo influente de Católicos estão propondo que ela faça — a história de seu enorme caixão pode tornar-se bastante significativa. Simbólica, até mesmo parabólica. O caixão de Chesterton era muito grande, vejam bem, para ser carregado pelas escadas de sua casa em Beaconsfield, seu ocupante sendo lendariamente gordo na hora de sua morte, em 1936. Então ele foi içado pela janela do segundo-andar. Muito Chestertoniano: gravidade, conheça a leveza. Os hagiógrafos podem procurar pela ressonância bíblica aqui, citando a passagem do Evangelho em que um homem paralisado, incapaz de penetrar por entre as multidões a cercarem a casa de Cafarnaum na qual Jesus estava, é içado para dentro através de um buraco no teto. Ou eles poderiam simplesmente declarar que G. K. Chesterton era grande demais para passar pela convencional e estreita porta da morte — que ele teve de ser recebido, por assim dizer, diretamente no céu.
Vasto e por demais móvel, Chesterton continua a esquivar-se das definições: ele era um convertido Católico e homem de letras profético, uma presença cultural pneumática, um aforista com a produção de um romancista pulp. Poesia, crítica, ficção, biografias, colunas, debates públicos — o fenômeno conhecido nos jornais do início do séc. XX como “GKC” era metade cornucópia, metade content mill. Se você tiver alguns dias livres, dê uma lida em seu endiabrado e impagável romance terrorista às avessas, O Homem que foi Quinta-Feira. Se você tiver uma tarde, leia sua obra-prima de apologética Cristã, Ortodoxia: fundamentos da ontologia espalhados com uma beatífica e esfuziante frivolidade, Tomás de Aquino encontra Eddie Van Halen. Se você tiver meia-hora, leia “The Blue Cross”, a primeira e mais perfeita de suas histórias sobre o sacerdote e detetive Padre Brown. Se você tiver apenas 10 minutos, leia seu ensaio “A Much Repeated Repetition”. (“De uma coisa mecânica temos um conhecimento perfeito. De uma coisa viva temos uma ignorância divina”.)

Chesterton era um jornalista; ele era um metafísico. Ele era um reacionário; ele era um radical. Ele era um modernista, dolorosamente ciente da ruptura na consciência que produziu “The Hollow Men”, de Eliot; ele era um antimodernista (ele odiava “The Hollow Men” de Eliot). Ele era um inglês paroquial e um tagarela pós-Vitoriano; ele era um místico casado com a eternidade. Todas essas coisas alegremente contraditórias são verdadeiras, e nenhuma delas teria a mínima importância, não fosse pelo fato final e decisório de que ele era um gênio. Uma vez tocado pela corrente elétrica de seu pensamento, você não o esquece. E o que é o gênio? Gênio é Hammy o esquilo, no clássico de animação da DreamWorks Os Sem-Floresta, cinco segundos após ele tomar um energético. O eixo da Terra engasga e então pára de girar, a trilha sonora desacelera, e Hammy passeia por uma repentina e sussurrante imobilidade, para além do sujeito anti-pragas paralisado e ao redor dos raios laser congelados do sistema de alarme do jardim. Ele está, é claro, movendo-se a uma velocidade incrível — mas com um desprendimento e tranquilidade sobrenaturais. Sua velocidade extática tornou tudo ao seu redor vago e lento como um sonho. Isso é o que os gênios fazem.

“Talvez teria sido melhor”, escreveu o amigo de Chesterton, Hillaire Belloc, “se ele jamais houvesse caído no verbalismo (em que ele tendia a exceder-se)”. Mas ele não tanto caiu no verbalismo como saiu para fora dele com cambalhotas, arremessando aforismos como estrelas-ninja. Sua prosa, se você não gosta dela, é um ziguezague enervante entre a irreverência e o bombástico — e, em algum lugar por trás disso, ainda mais enervante, a sugestão de que esses dois possam ser lados da mesma coisa. Se você gosta da prosa, ela é supremamente divertida, os esboços imponentes de uma retórica mais antiga e grave convulsionada, a reveses, por aquilo que ele certa vez chamou (em referência ao Livro de Jó) de “ironia-terremoto”. Ele fulmina com perspicácia; ele faz piadas rebentarem como trovões. Sua mensagem, uma iluminação estável cintilando e ressoando através de todas as lentes e facetas de sua criatividade, era de fato bastante clara: ponha-se de joelhos, homem moderno, e louve a Deus.

Ao usar os paradoxos, poderíamos dizer, como Belloc, que ele tendia a exceder-se. “Podemos dificilmente pensar pouco demais sobre nós mesmos. Podemos dificilmente pensar demais sobre nossa alma”. “O louco não é o homem que perdeu sua razão. O louco é o homem que perdeu tudo exceto a razão”. E assim por diante. Mas Chesterton — nascido sob Gêmeos, o signo da duplicidade — é paradoxal porque o mundo é paradoxal. Eu recentemente assisti, no National Geographic, a um episódio de Outlaw Bikers, em que recontaram o estranho conto dos Warlocks de Fort Lauderdale, toda uma gangue de motociclistas de agentes da ATF* [Departamento de Álcool, Tábaco, Armas de Fogo e Explosivos, é uma organização federal dentro do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.] disfarçados. Troque a gangue de motos por um grupo de anarquistas fin de siècle, e os agentes da ATF por policiais secretos Ingleses, e temos, basicamente, a trama de O Homem que foi Quinta-Feira (excetuando-se o fato de que no romance os policiais secretos são secretos até mesmo uns para os outros, cada um pensando ser o único infiltrado na célula anarquista).

Além do mais, Jesus amava um paradoxo: “Pois aquele que salvar sua vida perdê-la-á: mas aquele que perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á”. O paradoxo Chestertoniano, de fato, era um tipo de ideograma do paradoxo fundamental da Encarnação, de Deus nascer como Homem, quando “as mãos que fizeram o sol e as estrelas eram pequenas demais para alcançarem as imensas cabeças do gado”, como ele escreveu em outro livro de apologética Cristã, O Homem Eterno. E será que alguém penetrou mais fundo do que Chesterton no agonizante paradoxo da Crucificação — o clamor de abandono de Jesus na cruz, quando “Deus pareceu por um instante ser um ateu”?

O QUE NOS TRAZ à Igreja Católica. Por que ela deveria querer torná-lo um santo? Por que Chesterton e não — se estamos falando sobre grandes escritores Católicos — Gerard Manley Hopkins? Ou Walter Percy? Ou Flannery O’Connor? Porque Chesterton, de seu modo alegre, era um militante. Assolador das superstições da modernidade, um tombador dos ídolos do materialismo. Ele protestava incessante e longamente, e sem jamais repetir-se a si mesmo, contra “as atuais forças destruidoras do pensamento”: o pessimismo e determinismo e pragmatismo e impressionismo. Espera — impressionismo? Aquelas pinturas legais? Oh, sim. O impressionismo era uma heresia terrível, um tipo de manifesto para a auto-absorção. “Ele significa crer nas impressões imediatas em detrimento das generalizações mais permanentes e positivas”, Chesterton argumenta, em seu estudo de William Blake. “Ele coloca o que percebemos acima do que sabemos”. Ele não estava sempre certo, em outras palavras. O principal obstáculo à sua santidade será, sem dúvida, sua pilha de escritos indefensáveis sobre “o problema Judeu”, coisa que trazia o pior nele — e continua a trazer o pior em seus defensores.

Mas quando ele estava certo, estava profeticamente certo. Temendo e detestando o sugar centrípeto do buraco negro do onipotente Eu moderno, ele tomou o outro caminho: o caminho do fato da Criação. Há uma realidade fora da mente, Chesterton insistia — e parte de sua energia era seu inocente e infatigável espantar-se de ter que continuar a falar sobre isso. Para nós, os grandes solipsistas, para os quais o reconhecimento de outro ser humano exige um ato imaginativo galvânico, ele fala muito diretamente.

A campanha para a beatificação de G. K. Chesterton alcançou agora o estágio de cartões de oração. No final do ano passado, eu entrei numa Igreja Católica em Stowe, Vermont, e encontrei em cima de uma mesa, perto da entrada, uma pilha de cartões convidando-me a orar pela intercessão de Chesterton, “para que sua santidade possa ser reconhecida por todos e a Igreja possa declará-lo Bem-aventurado”. Noutras palavras, eu deveria pedir-lhe um milagre. Muito bem então, Gilbert, aqui vai: conceda-me um lampejo, apenas um lampejo, de sua visão dupla, a intuição de que eu, James Parker, fui evocado para fora de um “abismo quase niilista” para um mundo de ordinariedade radiante, que minha existência depende, segundo após segundo, do gesto criativo de um Deus amoroso, continuamente renovado, e que eu devo maravilhar-me e agradecer. Faça isso acontecer, seu esquilo acelerado no corpo de um gordo, e eu estarei contigo na causa.

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